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Uso saudável de telas por crianças e adolescentes 70353v
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Elto Koltz

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O Governo Federal lançou, no dia 11 de março de 2025, uma cartilha sobre o uso saudável do celular por crianças e adolescentes. A cartilha é lançada quase dois meses depois de ser sancionada a Lei nº 15.100, de 13 de janeiro de 2025, que, em seu art. 2º, proíbe o uso, por estudantes, de aparelhos eletrônicos portáteis pessoais durante a aula, o recreio ou intervalos entre as aulas na Educação Básica, e quase um mês antes do Dia Nacional de Combate ao Bullying e à Violência na Escola.
O documento Crianças, adolescentes e telas: guia sobre usos de dispositivos digitais norteia o uso saudável das telas, além de apresentar práticas que podem reduzir os riscos associados ao tempo excessivo diante dos dispositivos. Esse guia contém orientações aos pais e responsáveis, ressaltando a importância da mediação familiar, já que um dos fatores que contribuem para a utilização precoce e excessiva de dispositivos digitais por crianças e adolescentes é o uso indiscriminado por parte dos adultos, que são modelos e referências de comportamento.
A cartilha dialoga com a Lei nº 15.100/2025 e destaca os riscos de exposição a abusos, violências e bullying (cyberbullying), com especialistas alertando sobre atrasos nos processos de aprendizagem e reforçando a necessidade da participação da família, de pessoas cuidadoras, tutores e responsáveis na permissão do uso de telas, aquisição ou posse de smartphone e o uso das redes sociais antes dos 12 anos de idade. Também ressalta a importância de haver o acompanhamento de um adulto responsável durante o uso de dispositivos eletrônicos e redes sociais por adolescentes — dos 12 aos 17 anos.
O documento é amplo e apresenta muitas ferramentas práticas para as famílias, como dicas para o exercício de mediação familiar, o que considerar antes de permitir o o ou baixar aplicativos para o uso por crianças e adolescentes. Oferece um guia de questionamentos para se discutir em família sobre o momento adequado para a posse de um celular próprio, tais como: a finalidade para o qual o celular vai ser usado, a criança ou o adolescente vai receber o aparelho porque, realmente, precisa ou é uma recompensa ou mesmo pressão social.
O leitor vai encontrar um quadro-resumo que aborda alguns assuntos, como, por exemplo, a busca do bem-estar nas experiências digitais, um comparativo internacional com recomendações de tempo e tipo de uso por faixa etária, recomendações para famílias por faixa etária da criança ou do adolescente e canais para denunciar conteúdos criminosos online. Apresenta também alguns sinais de alerta que podem indicar uso problemático ou excessivo de dispositivos digitais e pontos que demandam atenção no uso de jogos digitais, além de perguntas para avaliar os impactos desses jogos em crianças e adolescentes e sugestões das próprias crianças e adolescentes.
O documento Crianças, adolescentes e telas: guia
sobre usos de dispositivos digitais norteia o uso saudável das telas.

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O guia foi elaborado diante de um contexto em que há um consenso na literatura científica de que, por se encontrarem em um período crítico e de rápido desenvolvimento linguístico, cognitivo e emocional, bebês (com até 2 anos de idade) tendem a sofrer sérios prejuízos quando expostos a telas. Enfatiza que outras formas de interação, tais como o brincar, a relação face a face e a exposição a músicas e livros, devem sempre ser priorizadas nessa faixa etária. Os estudos apontam que, mesmo após os 2 anos de idade, atividades que estimulam o movimento e a socialização são preferíveis à exposição a telas.
O projeto Primeira Infância para Adultos Saudáveis (Pipas), uma parceria entre a Fundação Maria Cecília, o Ministério da Saúde e o Instituto de Saúde (SES/SP), foi desenvolvido para permitir a coleta de informações de cuidadores de crianças pequenas sobre saúde, alimentação, aprendizagem, cuidados responsivos, segurança e desenvolvimento de aspectos de linguagem, motores, cognitivos e socioemocionais de forma rápida, como em campanhas de multivacinação. O projeto realizou uma pesquisa, em 2022, com 13.435 cuidadores de crianças, em 13 capitais brasileiras, em domicílios com crianças de até 5 anos. Os resultados apontam que não há nenhum livro em 24% das residências, mas, em 33,2% delas, crianças nessa faixa etária assistem a programas ou jogam na TV, no smartphone e/ou no tablet por mais de duas horas diárias.
O Guia sobre usos de dispositivos digitais não considera que familiares e pessoas cuidadoras de crianças na primeira infância devem ser culpados, mas informados sobre os riscos que o uso problemático ou excessivo de telas pode ocasionar. Acredita-se que, no contexto atual, há uma sobrecarga familiar, e a falta de alternativas para brincadeiras sem as telas favorece o uso dos dispositivos celulares.
Resumo das recomendações do guia 5p2a22
Crianças e adolescentes vivem intensas mudanças do crescimento e desenvolvimento corporal, mental e psicossocial, influenciadas por fatores externos, ambientais e culturais. O conjunto de evidências científicas disponíveis atualmente aponta que usos problemáticos ou excessivos de dispositivos digitais por crianças e adolescentes estão associados a diversos atrasos no desenvolvimento cognitivo, emocional e da linguagem, bem como a problemas de saúde e sofrimento mental.
Um dos fatores que mais contribuem para a utilização precoce e indiscriminada de dispositivos digitais por crianças e adolescentes é o uso excessivo por parte dos adultos, que são modelos e referências de comportamento.
Decisões sobre o uso de dispositivos digitais nos ambientes familiares ou escolares devem sempre levar em conta os direitos à proteção integral, o melhor interesse, a autonomia progressiva e a participação de crianças e adolescentes.
Empresas que desenvolvem aplicativos que possam ser usados por crianças e adolescentes devem investir em estratégias de verificação da idade, oferecer produtos ou serviços com base em princípios de segurança por design, coletar o mínimo necessário de dados, não expor crianças à comunicação mercadológica (inclusive de apostas), combater o trabalho infantil e ampliar a disponibilidade e a divulgação de ferramentas que auxiliem processos de mediação familiar.
Todos aqueles para os quais a legislação brasileira prevê responsabilidade compartilhada sobre crianças e adolescentes devem colaborar para a garantia do direito à privacidade (interpessoal, institucional e comercial) de tais sujeitos na relação com o ambiente digital.
Políticas de Educação Digital e Midiática ajudam a desenvolver habilidades para o uso adequado e a aproveitar os benefícios de dispositivos digitais e aplicativos, além de auxiliarem na redução dos riscos para crianças e adolescentes no ambiente digital.
A implementação de normas gerais sobre regulação do uso de celulares em unidades escolares deve orientar-se pela Lei Federal n° 15.100/2025, considerando a importância da autonomia pedagógica, da gestão democrática e da participação da comunidade escolar.
O uso de dispositivos digitais deve se dar aos poucos, conforme vá aumentando a autonomia progressiva da criança ou do adolescente:
Recomenda-se o não uso de telas e aparelhos digitais para crianças com menos de 2 anos, salvo para contato com familiares por videochamada, acompanhada de pessoa adulta.
Orienta-se que crianças (antes dos 12 anos) não devem possuir aparelhos celulares do tipo smartphone, pois quanto mais tarde se der a posse ou aquisição de aparelho próprio, melhor.
Para o o a redes sociais, deve-se observar a faixa etária sinalizada pela classificação indicativa, através de ícones quadrados coloridos vinculados aos aplicativos nas lojas virtuais onde podem ser baixados. Reforça-se que a maioria das redes sociais não foi projetada para crianças, contendo padrões que estimulam o uso prolongado e potencialmente problemático, além de que a presença de crianças nelas pode pressionar outras a fazerem o mesmo, pelo receio de se sentirem excluídas daquele ambiente.
O uso de dispositivos eletrônicos, aplicativos e redes sociais durante a adolescência (de 12 a 17 anos) deve se dar com acompanhamento familiar ou de educadores.

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O uso não pedagógico de dispositivos digitais no ambiente escolar, em qualquer etapa de ensino, pode trazer prejuízos para o processo de aprendizagem e desenvolvimento de crianças e adolescentes.
Escolas devem avaliar criteriosamente o uso de aparelhos, como celulares ou tablets, para fins pedagógicos na primeira infância, evitando seu uso individual pelos estudantes.
Escolas devem evitar tarefas pedagógicas que estimulem a posse de aparelhos celulares próprios, bem como o uso de aplicativos de mensagem, por crianças (antes dos 12 anos).
Deve ser estimulado o uso de dispositivos digitais para fins de ibilidade ou superação de barreiras por crianças ou adolescentes com deficiência, independentemente de faixa etária.
A maior mensagem do guia e das pesquisas que nele são apresentadas é a importância do envolvimento da família, de cuidadores ou responsáveis no cotidiano de seus filhos. As crianças têm o adulto como referencial na formação da sua personalidade. A busca por alternativas mais saudáveis que o celular, como lazer e a leitura de livros, faz-se importante nesse contexto. Retomando os dados do projeto Pipas, é significativo o valor de residências sem a presença de livros, bem como é alto o percentual de crianças imersas em telas por mais de duas horas diárias, revelando que a leitura de livros infantis perdeu ou está perdendo espaço para as mídias digitais, comprovando, assim, o tempo que ela perde de interação com o mundo exterior, ficando imersa em uma tela que tende a interferir em seu desenvolvimento.
A maior mensagem do guia e das pesquisas que nele são apresentadas
é a importância do envolvimento da família, de cuidadores ou responsáveis no cotidiano de seus filhos.
A leitura é apenas um aspecto, mas há inúmeras atividades que são deixadas de lado em função das telas, como o brincar dos pais com os filhos com jogos de tabuleiro ou brinquedos, participar das tarefas escolares, ouvir ou aprender música… essas são algumas das atividades que podem ressignificar o espaço familiar. Os pais e responsáveis precisam abdicar das telas em casa para participar efetivamente da vida em família. O uso excessivo de telas interfere não somente na formação de crianças e adolescentes, mas da família toda. É preciso dosar o tempo de uso das telas e se aproximar mais de situações de convívio e interação que promovam a felicidade e o aprendizado em movimentos construídos com o envolvimento de todos os membros da família para gerar uma sensação de pertencimento em cada um, principalmente nas crianças.
Referências
https://cetic.br/pesquisa/kids-online/
https://www.gov.br/mds/pt-br/noticias-e-conteudos/desenvolvimento-social/noticias-desenvolvimento-social/governo-federal-lanca-guia-sobre-o-uso-de-telas-por-criancas-e-adolescentes
https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-15.100-de-13-de-janeiro-de-2025-606772935
https://www.gov.br/secom/pt-br/assuntos/uso-de-telas-por-criancas-e-adolescentes/guia/guia-de-telas_sobre-usos-de-dispositivos-digitais_versaoweb.pdf
Elto Koltz é formado em Psicologia pela Faculdade Integrada do Recife/Estácio; atua, há 20 anos, como diretor de arte na produção de livros didáticos na Multi Marcas Editoriais e, há 12 anos, como psicólogo clínico, atendendo adolescentes e jovens adultos.